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Não, não é castigo suficiente acordar cedo ao sábado de manhã para ir trabalhar, quando se saiu já muito de noite no dia anterior. Tenho que ainda que ter por companhia: um colega africano, que por sua vez me presenteia com RDP África como banda sonora do trabalho; e enfermeiras em intervalo da formação a ter conversa próprias do ofício, o que, para os mais desatentos, significa percorrer o rol de todas as coisas que o corpo humano tem de nojento com recurso a expressões como "prótese ocular", "clister", "cheiro a sangue" e ainda a maravilhosa constatação "mete-me mais nojo o vomitado do que o cocó".
Ah, e já disse que está frio e a chover?
Bom dia!
Quando estou com amigas que conheço desde miúda, e com as quais vivi situações que já se passaram há imenso tempo, acaba sempre por haver uma altura em que alguém fala de alguma situação engraçada e todas elas se lembram de as coisas terem acontecido da forma como eu me lembro. Pode parecer algo extremamente banal, mas eu tenho uma imaginação muito fértil e tendência para começar a questionar as minhas memórias, e é nessa altura que eu tenho um momento "ah que bom, afinal isto aconteceu mesmo e não fui eu que inventei". E sinto-me mesmo bem, é giro perceber como mesmo que cada um tenha uma percepção individual das coisas, conseguimos ter esta espécie de memória colectiva.
Adoro as minhas "amigas-disco-externo"!
Gosto de ver telenovelas e gosto de clássicos a preto e branco.
Gosto de sushi e gosto de dobrada.
Gosto de ouvir heavy metal e gosto de ouvir (e dançar) kisomba.
Gosto de preto e gosto de branco. E das outras cores.
Gosto de ler a revista Maria e gosto de ler Saramago.
Gosto de ser muito branquinha e gosto de ir à praia.
Gosto dos musicais do Lá Féria e gosto de teatro.
Gosto de maquilhagem e gosto de carros desportivos.
Gosto de ser tímida a início e gosto de ser uma grande maluca depois de conhecer (e gostar) (d)as pessoas.
And the list goes on...
Em 2004 eu tinha 13/14 anos, e a nossa vida enquanto indivíduos nesta malfadada fase da vida era muito diferente daquilo que é hoje em dia. Todas as gerações acham que no seu tempo é que as coisas eram boas, mas na minha altura acho que foi particularmente interessante, porque crescemos em pleno "boom" da internet e, por isso, vimos nascer (e procriar e morrer) muitas das tendências tecnológicas que marcam a vida dos tempos modernos. Partilho então aqui algumas recordações desse tempo, que não é assim tão distante, mas às vezes parece, com que alguns se identificarão.
A minha internet veio dentro de uma mochila redonda de plástico colorido, e era da Netcabo (depois TVCabo, agora Zon);
Nem todos os meus amigos tinham internet, alguns iam tendo aos poucos e era sempre uma alegria;
Todas as funções que estão agora reunidas no Facebook, andavam espalhadas por uma série de programas, sites e plataformas:
Havia o MSN para teclar com os amigos, e o MSN Plus, um pluggin que adicionava mais algumas funções como cores e jogos;
Os nicknames no MSN eram quase sempre frases enormes. Depois ainda surgiu o sub-nick, com mais espaço ainda para informação desnecessária;
Havia o mIrc, para falar com os amigos e conhecer outras pessoas, uma coisa complicada e bem bem da idade da pedra (eu já comecei a usá-lo numa fase em que era menos mainstream, em plena era de esplendor do MSN, mas na verdade o seu aparecimento foi bem anterior a este);
Havia o Hi5, o mais parecido com o FB agora, mas sem os pais a andarem por lá;
Havia o Fotoblog, que era especialmente popular entre o pessoal de Chelas, Santo António dos Cavaleiros e Linha de Sintra (os chamados "chungas") e era uma mistura de fotografias, fotomontagens e textos onde se chamavam nomes e se faziam declarações de amor/amizade, sempre com alavras como kel e nhos e dama di gueto e comentários onde se faziam ameaças de morte - uma pequena maravilha;
Havia os chats do Aeiou e do Terravista que serviam para ir avacalhar sozinho ou entre amigos. E conhecer pessoas pervertidas, assustar-se e sair, ou não;
Havia os chats do teletexto.
Quem era fixe tinha um Nokia 3310, que ainda hoje é considerado por muitos como o melhor telemóvel de sempre. Dava para escrever sms à velocidade de 235 teclas por segundo, sem olhar, e era à prova de tudo;
Os telemóveis não tinham câmara, nem cores e aquilo que chamavam de "mensagem de imagem" era um conjunto de pixeis que apenas alguns (como o 3310) suportavam e era caríssimo de enviar, pelo que era uma coisa importante e de guardar para sempre;
Os telemóveis melhores e mais recentes eram sempre mais e mais pequenos;
Não havia Moche nem Xtreme. Não havia chamadas nem sms à borla, o mínimo eram 4cênt por sms, pelo que a maioria das comunicações com os amigos eram feitas por toques, e ai de quem atendesse, porque se andava sempre com saldo suficiente apenas para mandar toques. Às vezes era confuso, mas a malta desenrascava-se. Um toque do rapaz de quem gostavas equivalia a uma declaração de amor. Se eras a última a enviar, ficavas triste.
Assistimos, mais tarde, ao surgir dos telemóveis a cores - muito pobres e desmaiadas - e ao surgimento dos toques polifónicos, ou como eu e os meus amigos chamávamos, trolifónicos.
A internet no telemóvel começou por surgir como Wap, dava para ver o a meteorologia e pouco mais e ra muito raro, e nos que já tinham fugia-se a sete pés da tecla porque só servia para gastar dinheiro, portanto internet era em casa, e com sorte.
Consequentemente, quando estávamos juntos ainda estávamos realmente uns com os outros, não a tirar fotografias, não a ver as redes sociais nem a mostrar vídeos no Youtube. Se havia um sms para enviar, o envio não interferia na conversa porque desenvolvemos o dom do multitasking.
Acho que foi a última geração decente, a última cuja infância foi ainda passada na rua a brincar, sem os esterismos dos pais de hoje em dia. Fomos a primeira geração de jovens a crescer com estas coisas, mas ainda nos lembramos de como era tudo antes, sem elas, e por isso as recebemos a todas com espanto, mas sabemos que há outra vida para além da virtual. Não recebíamos o telemóvel ou o computador assim que pedíamos e muito menos sem ter pedido e merecido, exigir os presentes como as crianças fazem hoje em dia então, era impensável, logo aprendemos a dar mais valor às coisas e a apreciá-las melhor.
Há uma expressão muito característica da minha mãe, que origina normalmente algum gozo aqui em casa que é o "digo eu", expressão que segue por vezes alguma opinião ou comentário. Por exemplo: "É melhor irmos lá hoje que amanhã deve estar muito cheio. Digo eu, não sei". O "não sei" só aparece às vezes, mas a expressão anterior já o faz adivinhar.
Por muito que brinque com este trejeito, acredito que ele é o símbolo perfeito de um traço que a caracteriza e que me foi passado a mim também através da minha educação - e do qual muito me orgulho - que é a humildade. O dizer de sua justiça quando é necessário, mas ter a humildade de não se dar ares de certezas absolutas, deixar sempre um espaço em aberto para outras opiniões.
Muito me irritam as pessoas que, qualquer que seja o assunto, têm sempre uma sentença a ditar com um ar de absoluta certeza e superioridade. Que percebem sempre de tudo, e não só, percebem sempre mais do que os outros, e qualquer que seja a boca que se abre para dizer algo em contrário, vai gerar sempre uma contra-argumentação, mesmo quando não há necessidade.
O que me irrita mais ainda é quando o indivíduo não percebe um caracol do assunto de que se está a falar, mas ainda assim faz uma de duas coisas: ou alvitra algo como "isso não é bem assim", ainda que não faça a mais pálida ideia de como é ou deixa de ser; ou recorre à sua, bem, vamos chamar-lhe imaginação para mostrar que percebe. Para mim, enquanto pessoa que é muitas vezes acusada de ser "calada" como se isso fosse doença, é bem mais divertido ver estas pessoas a enterrarem-se no seu próprio discurso. Simplesmente pertenço aos raros seres que sabem que às vezes o silêncio é de ouro, e em boca calada não entra mosca, and so on.
O que falta a esses indivíduos, é, meus senhores, humildade. Humildade para perceber e ouvir outras opiniões, humildade para se cingirem àquilo que sabem e aí sim, falarem com verdade e certeza (que é tão melhor), humildade sobretudo para admitirem que podem aprender, porque a sabedoria entra por ouvidos abertos, e não bocas. Mas numa tentativa tão desesperada de demonstrarem que não são ignorantes, só revelam toda a sua ignorância, e a da pior espécie que é a de quem não quer saber mais.
Mas isto digo eu.
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