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Quando estou com amigas que conheço desde miúda, e com as quais vivi situações que já se passaram há imenso tempo, acaba sempre por haver uma altura em que alguém fala de alguma situação engraçada e todas elas se lembram de as coisas terem acontecido da forma como eu me lembro. Pode parecer algo extremamente banal, mas eu tenho uma imaginação muito fértil e tendência para começar a questionar as minhas memórias, e é nessa altura que eu tenho um momento "ah que bom, afinal isto aconteceu mesmo e não fui eu que inventei". E sinto-me mesmo bem, é giro perceber como mesmo que cada um tenha uma percepção individual das coisas, conseguimos ter esta espécie de memória colectiva.
Adoro as minhas "amigas-disco-externo"!
Em 2004 eu tinha 13/14 anos, e a nossa vida enquanto indivíduos nesta malfadada fase da vida era muito diferente daquilo que é hoje em dia. Todas as gerações acham que no seu tempo é que as coisas eram boas, mas na minha altura acho que foi particularmente interessante, porque crescemos em pleno "boom" da internet e, por isso, vimos nascer (e procriar e morrer) muitas das tendências tecnológicas que marcam a vida dos tempos modernos. Partilho então aqui algumas recordações desse tempo, que não é assim tão distante, mas às vezes parece, com que alguns se identificarão.
A minha internet veio dentro de uma mochila redonda de plástico colorido, e era da Netcabo (depois TVCabo, agora Zon);
Nem todos os meus amigos tinham internet, alguns iam tendo aos poucos e era sempre uma alegria;
Todas as funções que estão agora reunidas no Facebook, andavam espalhadas por uma série de programas, sites e plataformas:
Havia o MSN para teclar com os amigos, e o MSN Plus, um pluggin que adicionava mais algumas funções como cores e jogos;
Os nicknames no MSN eram quase sempre frases enormes. Depois ainda surgiu o sub-nick, com mais espaço ainda para informação desnecessária;
Havia o mIrc, para falar com os amigos e conhecer outras pessoas, uma coisa complicada e bem bem da idade da pedra (eu já comecei a usá-lo numa fase em que era menos mainstream, em plena era de esplendor do MSN, mas na verdade o seu aparecimento foi bem anterior a este);
Havia o Hi5, o mais parecido com o FB agora, mas sem os pais a andarem por lá;
Havia o Fotoblog, que era especialmente popular entre o pessoal de Chelas, Santo António dos Cavaleiros e Linha de Sintra (os chamados "chungas") e era uma mistura de fotografias, fotomontagens e textos onde se chamavam nomes e se faziam declarações de amor/amizade, sempre com alavras como kel e nhos e dama di gueto e comentários onde se faziam ameaças de morte - uma pequena maravilha;
Havia os chats do Aeiou e do Terravista que serviam para ir avacalhar sozinho ou entre amigos. E conhecer pessoas pervertidas, assustar-se e sair, ou não;
Havia os chats do teletexto.
Quem era fixe tinha um Nokia 3310, que ainda hoje é considerado por muitos como o melhor telemóvel de sempre. Dava para escrever sms à velocidade de 235 teclas por segundo, sem olhar, e era à prova de tudo;
Os telemóveis não tinham câmara, nem cores e aquilo que chamavam de "mensagem de imagem" era um conjunto de pixeis que apenas alguns (como o 3310) suportavam e era caríssimo de enviar, pelo que era uma coisa importante e de guardar para sempre;
Os telemóveis melhores e mais recentes eram sempre mais e mais pequenos;
Não havia Moche nem Xtreme. Não havia chamadas nem sms à borla, o mínimo eram 4cênt por sms, pelo que a maioria das comunicações com os amigos eram feitas por toques, e ai de quem atendesse, porque se andava sempre com saldo suficiente apenas para mandar toques. Às vezes era confuso, mas a malta desenrascava-se. Um toque do rapaz de quem gostavas equivalia a uma declaração de amor. Se eras a última a enviar, ficavas triste.
Assistimos, mais tarde, ao surgir dos telemóveis a cores - muito pobres e desmaiadas - e ao surgimento dos toques polifónicos, ou como eu e os meus amigos chamávamos, trolifónicos.
A internet no telemóvel começou por surgir como Wap, dava para ver o a meteorologia e pouco mais e ra muito raro, e nos que já tinham fugia-se a sete pés da tecla porque só servia para gastar dinheiro, portanto internet era em casa, e com sorte.
Consequentemente, quando estávamos juntos ainda estávamos realmente uns com os outros, não a tirar fotografias, não a ver as redes sociais nem a mostrar vídeos no Youtube. Se havia um sms para enviar, o envio não interferia na conversa porque desenvolvemos o dom do multitasking.
Acho que foi a última geração decente, a última cuja infância foi ainda passada na rua a brincar, sem os esterismos dos pais de hoje em dia. Fomos a primeira geração de jovens a crescer com estas coisas, mas ainda nos lembramos de como era tudo antes, sem elas, e por isso as recebemos a todas com espanto, mas sabemos que há outra vida para além da virtual. Não recebíamos o telemóvel ou o computador assim que pedíamos e muito menos sem ter pedido e merecido, exigir os presentes como as crianças fazem hoje em dia então, era impensável, logo aprendemos a dar mais valor às coisas e a apreciá-las melhor.
Em qualquer parte do mundo, Portugal era bacalhau, Amália, futebol e claro, Eusébio. Para os mais jovens, algumas destas referências foram-se alterando, e é pena que agora só possamos ouvir falar deles em histórias, a memória fica mas já não os temos entre nós. Até mesmo Portugal, só o bacalhau é que está de boa saúde.
Se fico triste com a morte do Eusébio? Fico sim. Se acho que merecia três dias de luto nacional? Não. Se isto me recorda mais uma vez que, depois de morto, as pessoas eram só qualidades, e venha alguém dizer algo de menos simpático e é uma blasfémia? Com certeza.
Uma nota para o comentário no facebook de Cristiano Ronaldo, divulgada ontem pela SIC, em relação ao sucedido:
"Sempre eterno, Eusébio descansa em paz"
Talvez seja a admiração do rapaz pelo Eusébio que o faz usar propositadamente uma figura de estilo literária para demonstrar o seu pesar, e vai-se a ver e ele ainda é uma alma sensível e artística. Para mim, com esta redundância, só me faz comparar dois jogadores, dois homens, que deram tão diferentes significados à expressão "o melhor do mundo", e lamentar ainda mais esta perda, e tudo o mais que se perdeu entretanto.
Há um ano atrás, no segundo dia de 2013, o meu estado de espírito estava dominado pela confusão. Tinha ficado sem o meu emprego fazia cerca de duas semanas e, apesar da tristeza, desilusão, choque e sensação de vazio com que tinha ficado pelas circunstâncias em que tal aconteceu, a verdade é que ainda me sentia ainda como que numas (merecidas) férias. Tinha estado entretida e ocupada com os festejos da época, tinha as pessoas mais próximas de mim com mais disponibilidade, e havia a minha viagem de sonho marcada para dali a pouco mais de um mês a pesar do lado positivo da balança.
Depois os dias começaram a acumular-se e estar em casa sozinha deixou de ter qualquer tipo de piada, mas ainda tinha o entusiasmo (meu e de quem me esperava ansiosamente do outro lado) dos preparativos para a viagem a animar-me.
Em Fevereiro chegou finalmente a hora de deixar para trás um dia frio e chuvoso no Aeroporto de Lisboa, meter-me num avião e sobrevoar o Atlântico durante quase 10 horas antes de aterrar na Cidade Maravilhosa, em pleno Verão e em domingo de Carnaval. Tinha a oportunidade de ver família que não via há muito e alguma que quase não conhecia, ia visitar o sítio onde eu sempre quis ir, o Rio era lindo e era ali que eu ia estar durante as próximas duas (que entretanto passaram a três) semanas. Fui fantasticamente bem recebida por toda a gente, conheci pessoas maravilhosas e todos me fizeram sentir em casa. Fui à praia, fui a todos os sítios turisticos e àqueles que só os locais conhecem e recomendam, apaixonei-me, maravilhei-me, comovi-me com aquela cidade e aquele povo e seu modo descontraído, aberto e colorido de viver a vida. Eu estava dentro das novelas que cresci a ver. Eu estava feliz. Tudo aquilo me fez esquecer temporariamente as agruras que me esperavam no regresso, e cada vez que lembrava, batia uma tristeza e um desespero que fiz por afastar o mais possível.
Os dias a seguir ao regresso foram terríveis, a súbita e drástica mudança de cenário foi brutal em mim. O choque com a realidade do regresso a este país tão cinzento por dentro e por fora enristeceu-me até às entranhas. Toda a gente aqui estava feliz por me ver, ansiosos por saber como tinha sido, e eu só queria chorar quando me lembrava. E como não queria chorar à frente de ninguém (nunca quis) nem que pensassem que não estava feliz por vê-los, fugia às respostas, dizia que sim e forçava um sorriso para engolir as lágrimas. Eu queria voltar, não queria estar aqui.
Ultrapassado o choque inicial, defini um plano: vou procurar um novo emprego, e se até ao fim de 2013 não encontrar nada, vou para o Brasil. A princípio, e ainda que me esforçasse na procura, a minha esperança e a vontade de ficar eram poucas. A minha cabeça estava lá, e Portugal já não parecia ter nada para me oferecer, mas ao longo deste ano foi-se operando uma mudança de perspectiva.
Comecei a olhar para os sítios que visitava como quem se despede, numa consciência de que podia ser a última vez que atravessava a ponte a um fim-de-semana para ir à praia na Costa da Caparica, que podia ser a última vez que ia passar férias ao Algarve e apanhava o pequeno comboio para ir à lindíssima praia do Barril, a última ida à terra do meu pai e o último mergulho no rio, por aí fora. E à medida que isto acontecia, eu comecei a ver com outros olhos a maravilhosa beleza e diversidade do país em que nasci. Aí começou a crescer, por um lado, a vontade de ficar e de lutar por isso, e por outro o desalento de ver que as condições oferecidas em nada ajudavam esta decisão.
Agora, um ano depois, a minha situação em nada se alterou (quando muito, se o fez, foi para pior) e eu sou confrontada com a decisão que jurei para mim mesma tomar, e com o pesar de todas as conclusões que tirei neste tempo. E a vontade que tenho é de a adiar, consciente porém que posso estar a adiar o inadiável.
O Brasil está lá à minha espera, a piscar-me o olho, a acenar-me com caipirinhas e a chamar por mim com um sotaque quente.
Portugal está aqui, com tudo tão perto, a cantar-me num fado que não parta, que coma mais um pastel de nata em frente ao Tejo e que lhe dê uma hipótese de me fazer feliz.
Não sou casada, não tenho filhos, sou (tecnicamente) filha única e ainda vivo em casa dos meus pais, tenho 24 anos. Ainda não estou preparada para deixar de ter natal, para passar a ser eu a comprar tudo a toda a gente e não receber nada de ninguém. Não estava no ano passado e não estava este ano, mas foi o que aconteceu. Não me parece justo. Como é que isto pode ser?
Será que eu me portei mal o ano inteiro? Fui uma menina má? Não, estive desempregada o ano inteiro mas andei sempre à procura, fiz curso da vida (in)activa mandado pelo centro de emprego, fiz todas as apresentações quinzenais, fui a uma mão cheia de entrevistas. Não fiz mal a ninguém, não me meti nos copos nem nas drogas, não traí o meu namorado, não fiz sexo anal. Comecei a fazer exercício, fui às compras de supermercado todas as semanas, ofereci lembranças quando viajei e presentes aos filhos das amigas. Aturei merdas de muita gente e tentei ao máximo que não tivessem que aturar as minhas.
"Ah o natal é para as crianças" mas quando é que eu deixei de ser criança, e porque raio ninguém me avisou? Tanta coisa na minha vida que está na mesma desde que eu era criança, inclusivé a minha altura, os meus pés e a minha cara. Ainda não posso fazer o que eu quero. Porque é que têm de me tirar já o natal?
O ano passado custou mais, este custou menos. Acredito que a partir de agora custe sempre menos um bocadinho. Mas é bem pior do que quando descobri que o Pai Natal não existe.
O que mais me lixa? As pessoas preocuparem-se mais com a obrigação de dar alguma coisa aos outros, aos de fora, "para não parecer mal", e fazer o brilharete com o dinheiro, o trabalho e a imaginação dos outros, e quem está cá em casa não interessar.
É tudo, por agora, para o ano há mais.
Há uma expressão muito característica da minha mãe, que origina normalmente algum gozo aqui em casa que é o "digo eu", expressão que segue por vezes alguma opinião ou comentário. Por exemplo: "É melhor irmos lá hoje que amanhã deve estar muito cheio. Digo eu, não sei". O "não sei" só aparece às vezes, mas a expressão anterior já o faz adivinhar.
Por muito que brinque com este trejeito, acredito que ele é o símbolo perfeito de um traço que a caracteriza e que me foi passado a mim também através da minha educação - e do qual muito me orgulho - que é a humildade. O dizer de sua justiça quando é necessário, mas ter a humildade de não se dar ares de certezas absolutas, deixar sempre um espaço em aberto para outras opiniões.
Muito me irritam as pessoas que, qualquer que seja o assunto, têm sempre uma sentença a ditar com um ar de absoluta certeza e superioridade. Que percebem sempre de tudo, e não só, percebem sempre mais do que os outros, e qualquer que seja a boca que se abre para dizer algo em contrário, vai gerar sempre uma contra-argumentação, mesmo quando não há necessidade.
O que me irrita mais ainda é quando o indivíduo não percebe um caracol do assunto de que se está a falar, mas ainda assim faz uma de duas coisas: ou alvitra algo como "isso não é bem assim", ainda que não faça a mais pálida ideia de como é ou deixa de ser; ou recorre à sua, bem, vamos chamar-lhe imaginação para mostrar que percebe. Para mim, enquanto pessoa que é muitas vezes acusada de ser "calada" como se isso fosse doença, é bem mais divertido ver estas pessoas a enterrarem-se no seu próprio discurso. Simplesmente pertenço aos raros seres que sabem que às vezes o silêncio é de ouro, e em boca calada não entra mosca, and so on.
O que falta a esses indivíduos, é, meus senhores, humildade. Humildade para perceber e ouvir outras opiniões, humildade para se cingirem àquilo que sabem e aí sim, falarem com verdade e certeza (que é tão melhor), humildade sobretudo para admitirem que podem aprender, porque a sabedoria entra por ouvidos abertos, e não bocas. Mas numa tentativa tão desesperada de demonstrarem que não são ignorantes, só revelam toda a sua ignorância, e a da pior espécie que é a de quem não quer saber mais.
Mas isto digo eu.
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