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Há um ano atrás, no segundo dia de 2013, o meu estado de espírito estava dominado pela confusão. Tinha ficado sem o meu emprego fazia cerca de duas semanas e, apesar da tristeza, desilusão, choque e sensação de vazio com que tinha ficado pelas circunstâncias em que tal aconteceu, a verdade é que ainda me sentia ainda como que numas (merecidas) férias. Tinha estado entretida e ocupada com os festejos da época, tinha as pessoas mais próximas de mim com mais disponibilidade, e havia a minha viagem de sonho marcada para dali a pouco mais de um mês a pesar do lado positivo da balança.
Depois os dias começaram a acumular-se e estar em casa sozinha deixou de ter qualquer tipo de piada, mas ainda tinha o entusiasmo (meu e de quem me esperava ansiosamente do outro lado) dos preparativos para a viagem a animar-me.
Em Fevereiro chegou finalmente a hora de deixar para trás um dia frio e chuvoso no Aeroporto de Lisboa, meter-me num avião e sobrevoar o Atlântico durante quase 10 horas antes de aterrar na Cidade Maravilhosa, em pleno Verão e em domingo de Carnaval. Tinha a oportunidade de ver família que não via há muito e alguma que quase não conhecia, ia visitar o sítio onde eu sempre quis ir, o Rio era lindo e era ali que eu ia estar durante as próximas duas (que entretanto passaram a três) semanas. Fui fantasticamente bem recebida por toda a gente, conheci pessoas maravilhosas e todos me fizeram sentir em casa. Fui à praia, fui a todos os sítios turisticos e àqueles que só os locais conhecem e recomendam, apaixonei-me, maravilhei-me, comovi-me com aquela cidade e aquele povo e seu modo descontraído, aberto e colorido de viver a vida. Eu estava dentro das novelas que cresci a ver. Eu estava feliz. Tudo aquilo me fez esquecer temporariamente as agruras que me esperavam no regresso, e cada vez que lembrava, batia uma tristeza e um desespero que fiz por afastar o mais possível.
Os dias a seguir ao regresso foram terríveis, a súbita e drástica mudança de cenário foi brutal em mim. O choque com a realidade do regresso a este país tão cinzento por dentro e por fora enristeceu-me até às entranhas. Toda a gente aqui estava feliz por me ver, ansiosos por saber como tinha sido, e eu só queria chorar quando me lembrava. E como não queria chorar à frente de ninguém (nunca quis) nem que pensassem que não estava feliz por vê-los, fugia às respostas, dizia que sim e forçava um sorriso para engolir as lágrimas. Eu queria voltar, não queria estar aqui.
Ultrapassado o choque inicial, defini um plano: vou procurar um novo emprego, e se até ao fim de 2013 não encontrar nada, vou para o Brasil. A princípio, e ainda que me esforçasse na procura, a minha esperança e a vontade de ficar eram poucas. A minha cabeça estava lá, e Portugal já não parecia ter nada para me oferecer, mas ao longo deste ano foi-se operando uma mudança de perspectiva.
Comecei a olhar para os sítios que visitava como quem se despede, numa consciência de que podia ser a última vez que atravessava a ponte a um fim-de-semana para ir à praia na Costa da Caparica, que podia ser a última vez que ia passar férias ao Algarve e apanhava o pequeno comboio para ir à lindíssima praia do Barril, a última ida à terra do meu pai e o último mergulho no rio, por aí fora. E à medida que isto acontecia, eu comecei a ver com outros olhos a maravilhosa beleza e diversidade do país em que nasci. Aí começou a crescer, por um lado, a vontade de ficar e de lutar por isso, e por outro o desalento de ver que as condições oferecidas em nada ajudavam esta decisão.
Agora, um ano depois, a minha situação em nada se alterou (quando muito, se o fez, foi para pior) e eu sou confrontada com a decisão que jurei para mim mesma tomar, e com o pesar de todas as conclusões que tirei neste tempo. E a vontade que tenho é de a adiar, consciente porém que posso estar a adiar o inadiável.
O Brasil está lá à minha espera, a piscar-me o olho, a acenar-me com caipirinhas e a chamar por mim com um sotaque quente.
Portugal está aqui, com tudo tão perto, a cantar-me num fado que não parta, que coma mais um pastel de nata em frente ao Tejo e que lhe dê uma hipótese de me fazer feliz.
Hoje foi um dia bom.
Hoje foi dia de passear por Lisboa sozinha.
O pretexto de ter uma entrevista de manhã cedo levou-me finalmente a sair dos subúrbios, onde durmo, e ir passear na minha cidade. Não estava um dia lindo, estava cinzento, mas adorei vê-la mesmo assim.
Tomei o pequeno almoço na recém estreada Padaria Portuguesa da Barata Salgueiro, ali bem pertinho da Avenida da Liberdade. Depois desci a avenida em direcção à Baixa, onde fiz o périplo habitual de Chiado, Rua Augusta, Terreiro do Paço e Cais das Colunas, onde me demorei um pouco a contemplar e a deixar-me emocionar por aquela beleza que hoje estava ali só para mim.
Durante todo o percurso fui olhando sempre tudo à minha volta e notando todos os pormenores e as diferenças da cidade em relação à altura em que passava ali quase todos os dias. E senti-me tão bem, mesmo estando ali sozinha, tão feliz só de estar ali que nem sei bem explicar. Mas ao mesmo tempo senti uma tristeza e uma sensação de me estar a despedir de tudo - infelizmente é assim que tenho olhado para os sítios e momentos mais bonitos nesta cidade ultimamente - e pensei que deve ser isto que os estrangeiros acham tão estranho nos portugueses, esta alegria triste, e senti-me tão portuguesa como a calçada que pisava.
Notei também mudanças nesta zona. Estão a transformar a Baixa, principalmente a Av. da Liberdade, naquilo que poderia ser Lisboa como uma qualquer avenida de uma qualquer cidade cosmopolita europeia, ou mesmo mundial. Com as grandes grifes internacionais ali todas reunidas, o cheiro a dinheiro a exalar por entre as portas das lojas, algumas delas guardadas com polícias à porta, um repelente para os pobres. O que não deixa de ser irónico, porque achei também que Lisboa se está a transformar simultaneamente numa cidade de um país de terceiro mundo, a julgar pela quantidade de pessoas a dormir nas ruas e pelas mãos que se nos estendem à nossa passagem. Umas pedem para si, outros pedem para instituições várias de solidariedade.
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